Dr. Giramundo

                Passava das 21 horas do dia 02 de fevereiro de 2013. Esgotada após um baile especial de carnaval do Gigantes da Lira no Downtown, que bateu o recorde de público naquele Shopping, a atriz e diretora Yeda Dantas, sentada na van que trazia a equipe de volta, comentou com a voz embargada e o olho brilhando: “pensar onde começamos e até onde chegamos…”.

Deixou a frase no ar, mas ao mesmo tempo se referia à trajetória dela e à do palhaço Dr. Giramundo, por ela criado em 1991.  O Dr.Giramundo e sua equipe foram ovacionados. Mas no dia seguinte, bem cedinho, tinha de estar novamente em ação para comandar mais um desfile anual do bloco. Afinal o Doutor Giramundo da Lira e Psiu pode ser considerado o coração do Gigantes da Lira.

 

A ANCESTRAL E OS ANTECEDENTES

                Antes de existir os cabelos grisalhos apontados para o céu e a maquiagem típica do palhaço, havia Biruta. Ela era uma palhaça vivida por Yeda que, junto com Bicudo, formava uma dupla inseparável de animação de festas de aniversário. Eis que um dia Bicudo decide se mudar para Manaus e Biruta perde seu parceiro. Sozinha, ela ingressa em projetos solo que divertiam crianças. Foi graças a um desses projetos que, nas palavras de Yeda, ela descobriu dentro de si mesma um espírito masculino e abandonou Biruta para sempre.

 “Eu achava que era mulher e menina”, conta, se referindo a Biruta. Isso foi até ver a reação de  surpresa quando uma criança descobriu que Biruta era uma e não um palhaço. “Ela viu minhas   unhas e disse ‘Ih, ela é uma mulher! Mas e o velhinho como fica?’” Ao ver através dos olhos do   menino algo diferente dentro de si mesma, Yeda ficou pensando sobre o tal “velhinho”. O   pensamento persistiu até que um dia, graças a ajuda da amiga Mônica Biel da Commedia dell’Arte,    Giramundo nasceu.

Mônica chegou ao teatro Nelson Rodrigues, no centro do Rio de Janeiro, com uma caixa cheia de  máscaras. De algum lugar ali dentro e em Yeda surgiu o Giramundo. “Eu escolhi uma máscara de  médico e aí o Dr. Giramundo nasceu com nome e sobrenome. Ele era um dentista que falava sobre  caninos”, explica. E assim o palhaço passou a existir, de uma maneira tão espontânea que deveria  estar adormecido em Yeda, apenas esperando a hora certa para se manifestar. Algo como a  história do gênio aprisionado dentro da lâmpada, que depende só de um “empurrãozinho” para se  libertar.

 

ANTES DO GIGANTES

                A primeira aparição do Dr. Giramundo foi no início dos anos 90. De lá até o surgimento do Gigantes da Lira, o então “dentista dos pequenos” teve uma longa jornada. Depois de passar mais um tempo adormecido dentro de Yeda devido a projetos paralelos, o palhaço voltou a aparecer em 1996, na turnê “Chorão, Curupita e Giramundo”.

                Dois anos mais tarde foi a vez do projeto “Tem Palhaço Dando Sopa”, um grupo de interação em eventos que, além de distribuir caldo de couve-flor, entretinha o público com números cômicos. Ali, ao lado de amigos como Catavento (Jefferson Barbosa), Muçarela (Rafael Senna), Anderson Damasceno, Cristiano Brasil, entre outros tantos, Dr. Giramundo teve o primeiro vislumbre do Gigantes da Lira. Ele não sabia então, mas essa ideia daria vida ao lugar mais feliz dos seus próximos anos.

GIRAMUNDO DA LIRA ENCONTRA O PARAÍSO

                No carnaval de 1999, o Gigantes da Lira foi criado e com ele surgiu um lar permanente para o Dr. Giramundo. Unindo a paixão de Yeda pelo carnaval e a de Giramundo pelas crianças, foi um sonho duplo se realizando. Assumindo o papel principal entre os palhaços, como uma espécie de mestre de cerimônias, Yeda acredita que o Dr. Giramundo seja como Zé Pereira, um símbolo do espírito carnavalesco. “São as crianças que trazem os pais para o Gigantes da Lira e elas sentem o profundo respeito e afeto que o Dr. Giramundo sente por elas”, explica.

Esse afeto para com o público foi  demonstrado  de forma literal no desfile de 2013.  Logo no  início do bloco, com apenas alguns  metros de  caminhada, Giramundo aparece segurando um balão em forma de coração. À medida  que os  foliões vão passando, o palhaço oferece seu coração para eles, gesticulando o balão em  frente ao  peito no ritmo de uma pulsação.  De repente, uma corrente de ar arrebata o objeto das  mãos do  Doutor e, mesmo com suas tentativas de reaver o coração, ele já voara para longe do seu  alcance.  Ao longo do desfile, foi possível encontrar diferentes crianças segurando aquele coração  que o  vento continuava a passar de mão em mão. Yeda, ao comentar o episódio, diz de maneira  simples  e carinhosa: “o coração foi para o bloco”.

 

A PERSONA DO PALHAÇO

                A simbologia do Dr. Giramundo vai muito além do coração-balão. Seu próprio nome já é algo simbólico: os sobrenomes da Lira e Psiu correspondem respectivamente às suas vertentes musicais e cômico/teatrais. Yeda ainda explica que tudo o que o palhaço veste é meticulosamente planejado por ela, desde os cadarços até os botões do paletó. O paletó do Dr. Giramundo, por sinal, é mudado anualmente, com o desfile do bloco sendo a grande ocasião de consagração do visual daquele ano. Como “vovô” vaidoso que é, ele se veste de acordo com a ocasião. Para 2013, por exemplo, Yeda idealizou um smoking de verão que combinasse com os vestidos das debutantes, que dançariam uma valsa comemorativas dos 15 anos de fundação do bloco.

Outra peça importante da vestimenta de Giramundo é o espelho em formato de coração que carrega no peito. A inspiração veio do documentário “Janela da Alma”, de João Jardim e Walter Carvalho. “O sentimento é como se o palhaço mostrasse o que as crianças já sabem e sentem: que ele as ama. Basta olharem pelo espelho que elas se verão dentro daquele coração bobão”, explica Yeda.

Como todo bom palhaço, Dr. Giramundo ainda tem suas próprias piadas na ponta da língua. As tiradas mais usadas pelo dentista são “Bonito ninguém tem a obrigação de ser, agora cheiroso…” e a provocante “Eu não sou de reclamar, mas achei um pouco fraco”. Outra característica do palhaço é o ritual de “batismo da alegria”. Nele, o Dr. Giramundo pega um pouco do batom de sua enorme boca e marca de vermelho, com o dedo indicador, o narizinho das crianças menores que se aproximam. Yeda conta que nenhum pai nunca reclamou do batismo. É como se, através do ritual, dissesse: “esse trabalho eu faço para vocês”.

Ao explicar como o Dr. Giramundo da Lira e Psiu se sente dentro do Gigantes da Lira Yeda fala: “Pleno. Dentro do paraíso.” E personificada como o sábio admirador das crianças, ela encontrou e criou não só o seu paraíso, mas o de muitas crianças e adultos também. “Mesmo que sejam só  3 ou 4 horas de paraíso, essa possibilidade me faz querer viver mais um ano.”

Pelo bem das crianças, de Giramundo, do carnaval e do Gigantes da Lira, que essa vontade não vá embora tão cedo.

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