Dona Elizabeth

O ROMANCE DA MUSA NONAGENÁRIA

 No tradicional discurso sobre o carro de som para o desfile de 2013, minutos antes de o bloco sair, o palhaço Dr. Giramundo(vulgo Yeda Dantas) avisou: este ano D.ª Elizabeth não ia aparecer na janela para a emocionante serenata que sempre provocou lágrimas nos foliões em plena alegria do carnaval.Para evitar os sustos do passado, o Dr. Giramundo anunciou que a musa do Gigantes da Lira estava bem. Com a vista boa, costurando e tomando seus licores do alto dos seus 91 anos. A altura das escadas a impedia de subir os três andares do número 65 da Rua Cristóvão Barcelos. Tinha mudado para o Flamengo, onde passou a morar com seu único filho. Era o fim do mais belo romance de carnaval que Laranjeiras já viu.

O COMEÇO

Foi no desfile de 2003, quando o Gigantes da Lira era um bloco bem menos volumoso, que a mágica aconteceu pela primeira vez. Enquanto o desfile andava pela Rua Cristóvão Barcelos e a Banda tocava Carinhoso, alguém reparou em uma senhora na janela do número 65, curtindo sozinha o carnaval. Decidiu-se que a música deveria ser dedicada àquela simpática figura e, de repente, a pequena massa de foliões engrossou o coro da serenata. O sentimento coletivo do Gigantes pegou D.ª Elizabeth despreparada – e uma mistura de incredulidade e acanhamento tomou conta dela à medida em que a brincadeira continuava. Mas a serenata acabou, o bloco passou e lá na janela ficou D.ª Elizabeth.

Nos anos que se seguiram, o cortejo à nova musa do bloco continuou, mas com algo a mais: agora D.ª Elizabeth era o momento mais esperado por quem descia a Cristóvão Barcelos com o Gigantes. Assim, a timidez e espanto da gentil senhora foram dando lugar para a emoção, que começava com ela e terminava em todos os foliões.

SOBRE DONA ELIZABETH

A primeira musa do Gigantes da Lira, residente no número 65 da Rua Cristóvão Barcelos, não era sozinha como muita gente achava. D.ª Elizabeth morava com o marido e já era mãe de um rapaz adulto quando tudo começou. Animada desde sempre, ela e uma amiga já até saíram no carnaval do Rio vestidas de “O Gordo e O Magro”, a famosa dupla do cinema mudo.

“Carinhoso” para ela era muito especial. Quando jovem, foi vizinha de Pixinguinha. Sim, pode ser apenas uma dessas coincidências bizarras da vida, mas parece que D.ª Elizabeth estava destinada a ter uma história com “Carinhoso”. E o Gigantes da Lira fez parte dessa história por 5 anos consecutivos, até que em 2009 a Banda tocou a música, mas a janela não abriu.

A JANELA FECHADA

A presença de D.ª Elizabeth nunca foi algo combinado no desfile do Gigantes, mas era inevitável a expectativa que as pessoas criavam em torno da “musa de Carinhoso”. Desde que entrou no circuito do bloco, a senhora nunca tinha deixado de aparecer na janela. Até 2009. “O que deve ter acontecido?”, se perguntavam. Dúvidas sobre seu paradeiro surgiam aos montes e era inevitável a pergunta que muitos faziam: “Será que ela morreu?”. Como a maioria assumiu o pior, a banda dedicou a serenata de sempre, desta vez com uma nostalgia meio deprimida por encontrar a janela de D.ª Elizabeth fechada. Parecia o fim daquela história incomum de amor entre ela e o Gigantes da Lira.

Mas foi aí que ela se aproximou, ao menos oficialmente, do bloco. Yeda Dantas, diretora geral do Gigantes da Lira e vizinha de D.ª Elizabeth, se tornou amiga da senhora e descobriu o motivo de sua ausência no ano anterior. O marido da mulher, que já estava doente há algum tempo, havia falecido naquele ano. Apesar de ele já estar de cama quando as homenagens começaram, a perda do seu parceiro de folias foi dolorosa. A senhora, agora sozinha, não se sentiu bem para ser cortejada na janela e explicou: “Como eu poderia pular carnaval com vocês depois do que aconteceu?”

O FIM DA NOVELA “CARINHOSO”

Dois anos se passaram sem nenhum sumiço da querida musa do Gigantes. Só em 2011 que os foliões encontraram a janela fechada de novo. A mesma comoção do primeiro sumiço tomou conta dos que estavam ali presentes, as mesmas teorias e preocupações e a mesma serenata, para ninguém.

Só que dessa vez D.ª Elizabeth estava ouvindo. Tomada pela emoção, ela resolveu escutar o coro de dentro do apartamento mesmo, sem abrir a janela. Se ela só estava testando a lealdade dos seus adoradores da Lira? Impossível dizer. Explicou depois que estava com medo da emoção, pois não se sentia muito bem.

No dia seguinte, um domingo, enquanto corria pela contramão da Cristóvão Barcelos para pegar o bloco “Laranjada” pela frente, Yeda viu D.ª Elizabeth na janela. Gritou por ela e recebeu de volta um convite para subir. Foi uma tarde acompanhada de vinhos e licores depois de assistirem juntas ao desfile do bloco. Ela, então, explicou o “bolo” que deu no Gigantes da Lira: “Não estava me sentindo bem, por que eu ia pular carnaval? Não sou palhaça! Palhaça é você!”, brincou, fazendo referência ao trabalho de Yeda como Dr. Giramundo.

Ela voltou a aparecer então no ano seguinte e foi mais uma vez ovacionada. Em 2013, entretanto, D.ª Elizabeth avisou antes que não estaria na janela. A diferença é que o sumiço não seria mais algo temporário. No ano anterior ela se mudou para o Flamengo e foi morar com o filho. Não houve serenata.

Para D.ª Elizabeth, o carinho que recebia do público era um enigma: “Mas por que eu? Por que me escolheram, logo eu?”, perguntou uma vez para Yeda. Essa pergunta parece não ter uma resposta certa. O que se pode dizer é que o coração do Gigantes da Lira, não se sabe por que, sempre bateu mais feliz ao ver D.ª Elizabeth na janela.

HOMENAGEM NA JANELA

img_1623

O desfile do Gigantes da Lira em 2015 foi diferente. Na altura do prédio de Dona Elizabeth, a banda parou de tocar por alguns minutos enquanto na janela dois músicos executavam um número fúnebre em homenagem a musa falecida em setembro do ano anterior. Emendando em um apaixonado “Carinhoso”, a banda embalou os emocionados foliões enquanto o Dr. Giramundo, o palhaço de Yeda Dantas, soltava balões em forma de coração. Na visão de Yeda, a história se tornou uma cena criada de forma coletiva: “Está no imaginário de todos a namorada na janela e o seresteiro apaixonado, uma imagem clássica dos enamorados que foi trazida coletivamente para a realidade. A Dª Elizabeth virou um caso de amor para nós, e agora estamos nos sentindo viúvos”. Depois que uma gravação espontânea da homenagem gravada pelo folião Lipe Borges circulou pela internet com mais de 3 mil compartilhamentos, você também pode conferir a cena editada pelo Gigantes no vídeo abaixo:

O COROAMENTO DA RAINHA ELIZABETH DO GIGANTES DA LIRA

Coroação da Rainha Elizabeth do Gigantes da LiraEm 2016, no aguardado 18º desfile do Gigantes da Lira, toda essa história tomou a forma de uma boneca inspirada em Dona Elizabeth, delicadamente esculpida e articulada por Eduardo Andrade Dudu e Bruno Jabotá Descaves.
Enquanto os músicos anunciavam o momento solene com a ópera Aida, a boneca surgiu na janela surpreendendo os foliões e foi coroada pelo Dr. Giramundo como Rainha Elizabeth do Gigantes da Lira.
Logo após, a tradicional serenata com “Carinhoso” foi entoada em conjunto de forma emocionada por toda a multidão que se aglomerava embaixo da janela. Como declarou Yeda Dantas, “é a nossa própria história sendo reinventada e vivida agora através de um grande teatro de bonecos numa cena coletiva. Brincadeira e celebração onde o real, o efêmero, a ausência e a presença são celebrados através da boneca Rainha Elizabeth”.

2 Responses:

  1. Raquel Zangrandi disse:

    Querida Yeda,
    o Gigantes é o melhor bloco do mundo! Tenho uma sugestão: mesmo com a Dona Elizabeth não morando mais em Laranjeiras, por que não continuar tocando o Carinhoso na janela dela? É o momento mais bonito do bloco. E fica como homenagem, ela sendo sempre lembrada como a musa inspiradora desse momento tão especial. É sublime ver esse gesto tão delicado em meio à confusão do carnaval. Um grande abraço, Raquel

  2. Miguel Angelo disse:

    Que cena mais linda! Me emociono sempre ao ver, ao ler… Por favor, continuem tocanco carinhoso na janela de Dona Elizabeth! É o momento mais esperado do bloco!!!!

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *